quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Romance concreto, uma história de amor baseada em fatos reais.

Nunca em minha vida tive um caso de amor tão profundo, sincero e monogâmico como o que se apresenta.

Nos idos anos 90 eu me apaixonei, mas muito antes eu já mostrava um certo interesse por ele, uma curiosidade que teria sido despertada desde muito cedo, posso dizer que o conheci bem antes de pronunciar minhas primeiras palavras; ele constantemente me visitava e eu à ele, mas à época eu não tinha definições formadas nem sobre meu próprio corpo ou existência, eu apenas estava, presenciava, sentia e reagia, comia, cagava e dormia.

Lembro de espiá-lo timidamente quando me levavam ao encontro dele e, só depois  que ultrapassei meu primeiro desafio corporal, numa trajetória dolorosa e cômica, que levou por volta de três anos, durante os quais eu me recusava a engatinhar ou a usar os pés, só depois que comecei a andar como gente e deixei de me arrastar como minhoca, pudemos nos ver com mais constância.

Passei anos a fio espiando timidamente dos bastidores, das cabines de luz e som, por trás das malas, em meio aos figurinos, sob um chapéu maior que eu, e ele lá...ao alcance das minhas observações, excêntrico, divertido, cheio de admiradores declarados, fui me apaixonando sem nem mesmo perceber.

Foi em 1995, não sei se foi um passo de coragem, uma ação inevitável ou obra divina, era pra ser; finalmente me aproximei, cheguei junto pra ver qual era, me coloquei na cena e dei a cara a tapa. Adolescente, gordinha, insegura, introspectiva, eu... encarei todas as oposições internas e flertei com ele, brincamos, jogamos, contamos histórias por semanas, foi aí que ele definitivamente me seduziu.

Embasbacada, eufórica, encantada, eu estava apaixonada, os hormônios explodiam, flertava com outros para testá-lo, óbvio, ainda mais com a família me incentivando a deixá-lo de lado, a experimentar outros encontros, ficamos assim, num misto de fogo que arde sem se ver com poliamor, nos encontrávamos somente em público, sempre com muitos olhos ao redor, até que percebi que aonde quer que eu fosse, teria uma sombra aos meus pés, uma voz martelando, seus vultos viriam em sonhos e pesadelos se eu não me entregasse à vivência de nós dois.

Assim, passamos juntos pela universidade, pelas artes cênicas, pela pós graduação em arte e educação, pelas dezenas de cursos de clown, de jogos, de improviso, de voz, de treinamento, nos deliciamos enquanto nos jogávamos na iniciação à putaquenospariu da arte do ator, crescemos juntos, chegamos à juventude.

Eu estive plena, ardente de paixão; muitas vezes às cegas, carregando minha fé, jogava-me diante dele; fizemos loucuras inconscientes, nos deliciamos em palcos, praças, lonas; fomos muitos, com ele fui menino, fui meu pai, fui a morte, fui mendiga, madame, mocinha, palhaça, bufão, cafetina, fui grupo e solo, fui humor e tragédia, fui quase loucura e então me perdi, e aí...o abandonei.

Ele se transformou em contos e fotografias, em memórias alegres que a cada ano me traziam mais saudades, fugi para encontrar terra firme, para não morrer, para voltar a mim, para olhar com distanciamento aquela nossa travessia tão intensa, nunca o abandonei de fato, eu o carreguei comigo dentro dos livros, nos dias de festa, tudo era motivo para convidá-lo a participar, ainda que não estivéssemos tão envolvidos, ainda que ele se sentisse traído e muitas vezes se recusasse a vir.

Ele esmoreceu, eu entristeci. Durante esse tempo em que nos afastamos, enquanto eu aprendi a pousar dos meus voos criativos, me descobri em outras perspectivas, aprendi a dançar com as emoções, a flutuar com a mente, a escutar o corpo, a tocar a loucura sem me perder, ele adormeceu e eu... acordei um dia, meio selvagem, mais eu do que em qualquer outra fase da vida, acordei na idade de Cristo (seja lá o que isso quer dizer), mas acordei leoa, acordei rugindo para que ele voltasse a abrir os olhos, eu o acordei dentro de mim.

Esse tempo em que estivemos afastados foram três longos invernos, em que ele-urso hibernou, em que eu-semente germinei, foram três longos anos de fogueiras frias, interrogações, descompassos, contra-tempos, ilusões e metáforas, o tempo de conhecer o profundo fosso das tentativas, dos grandes aprendizados, das desilusões, até reencontrar aquele feixe de luz do sol primaveril, aquele fim do túnel da salvação, aquela bendita primavera que agora passa a ter mais cores do que nunca, ainda que continue a mesma.

Durante todo esse tempo ele não mudou, continua sendo múltiplo, excêntrico, alegre, extremamente admirado e temido também, já eu... continuo sendo eu, só que numa existência mais plena, mudada por dentro e por fora, com bobagens emotivas a menos e mais motivos para sorrir, com uma riqueza sem tamanho por ter descoberto que viver é muito mais simples do que parece quando se encontra o verdadeiro amor.

Passei com ele momentos tão extremos, da paixão ao abandono, do vício ao esquecimento, nossos vinte anos de relação fizeram isso de mim. Isso: essa mulher que eu amo ser, que escolho ser, que com ele pude vir a ser, essa atriz, devir humana.

Meu Ofício, te amo pra sempre, te amo demais! <3 

Sua atriz,
Nina Rocha
12/02/15
Esperando a hora do rush passar...

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