terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A calada da noite calando o dia...

...o sol se pondo ao sussurro do barro, da terra, da linha do horizonte d'onde o mundo por vezes acaba...medito...lendo meus quase não pensamentos, vem um poeta assoprar-me práná...contemplo o céu a findar a tarde e a lembrança de palavras desatadas...percebo o som do calar da noite calando o dia...ouço uma alegria flutuar no coração...tateio a trama fina da saudade de quem sabe ser feliz...



E segue assim...in continuun, o sussurro que presente então, se fez...

"
Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você a uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.


Sentado sobre uma pedra estava o homem desenvolvido a moscas.
Ele me disse, soberano:
Estou a jeito de uma lata, de um cabelo, de um cadarço.
Não tenho mais nenhuma idéia sobre o mundo.
Acho um tanto obtuso ter idéias.
Prefiro vadiagem com letras.
Ao fazer vadiagem com letras posso ver quanto é branco o silêncio do orvalho.


Levei o Rosa na beira dos pássaros que fica no meio da Ilha Lingüística.
Rosa gostava muito de frases em que entrassem
pássaros.
E fez uma na hora:
A tarde está verde no olho das garças.
E completou com Job:
Sabedoria se tira das coisas que não existem.
A tarde verde no olho das garças não existia mas era fonte do ser.
Era poesia.
Era o néctar do ser.
Rosa gostava muito do corpo fônico das palavras.
Veja a palavra bunda, Manoel ela tem um bonito corpo fônico além do
propriamente.
Apresentei-lhe a palavra gravanha.
Por instinto lingüístico achou que gravanha seria um lugar entrançado de espinhos e bem
emprenhado de filhotes de gravatá por baixo. E era.
O que resta de grandezas para nós são os desconheceres – completou.
Para enxergar as coisas sem feitio é preciso não saber nada.
É preciso entrar em estado de árvore.
É preciso entrar em estado de palavra.
Só quem está em estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio."


Manoel de Barros. IN: Retrato do Artista Quando Coisa. 

Sala da Unidade Itapuã, em Salvador.
05/12/2010-intervalo do Curso de sânscrito ...



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