segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Você não precisa ler isso, mas eu precisei escrever, as palavras me libertam.

Queimando as caixinhas de "OU" - Preciso re-conhecer-me em cena, grita a atriz dentro de mim.

Depois que passei a escrever com intensidade e constância não voltei a teatralizar, a escrita, penso ter alterado de forma positiva meu estar em cena, principalmente no que concerne ao uso da voz, das palavras.
O corpo sempre esteve pleno, naquela 'história' de totalidade, integralidade, corpo/mente/coração tudo junto em plena presença no que se está a fazer (isso tudo eu carrego pra vida e tento a todo instante fazer acontecer), mas a voz sempre me tapeou, ela estava quando havia texto alheio em que eu acreditasse e pelo qual me apaixonasse ou em pequenas doses, como esteve, diversas vezes, em criações de irônicos jargões, inventados por mim, quem ouviu se lembrará..."guarda-chuváááá" ou "miniiinu, vem comer, vem..." entre outros que em suas situações criavam universo cômico ou dramático e impregnavam o público por semanas a fio, bem como a mim.
Sempre me impregno pelo que esteve à cena comigo (talvez por isso eu demore a visitar esse lugar dentro de mim, o lugar de quem vai à cena)...é um despir demorado...e um vestir cauteloso, minucioso, apaixonado...perigoso...
A exemplo, a lendária apresentação de " Aquela estrela ou Para quando sentir saudades", na finalização da graduação em Artes Cênicas, encerrou um ciclo e me fez muito feliz pelo grau de presença que conquistei na ação, mas o que poucos ou ninguém sabe é que a decepção esteve presente no que concerne à fala, dos textos criados por meu pai, para quem a cena foi à época (2004) dedicada.
Revendo o trabalho filmado, concentro-me a desvendar os desagrados e encontro meios para transformar até encontrar-me nele novamente...sinto o momento chegar...
Nos improvisos e exercícios, nos treinamentos, a voz nunca vinha...assim como eu escondia as palavras do poema...penso que depois de perder o medo de mostrar os textos, isso deve ter mudado...
Sobre de fato voltar à cena, há algum tempo estou presa em dúvidas e clichês de leituras alheias a respeito do ego...resolvi respirar profundamente as críticas dos não artistas e buscar o anti-ego no modo em que eles acreditavam, me coloquei a experimentar a arte como não ofício...há um longo tempo, não houve 'eu', estive a me abandonar pra encontrar a não atriz, a 'in-presença', o desaparecimento, o desapego de mim...
Hoje me redescubro de modo diverso nessa rejeição do que em princípio fora essencial, sobre o gran clichê de que artistas são sempre egocêntricos, respiro e sinto-me bem, em paz por saber quem sou, aonde desejo estar e os reais motivos de ser tão apaixonada pelo palco, sendo ele de madeira ou de piche, de papel ou de ilusão.

Tenho vivido desde então em espaços alheios...espaços compartilhados, desfazendo-me do meu para aprender o nosso, nos últimos cinco anos abandonei o eu o mais que pude, inclusive a palavra, ao percebê-lá tratava de trocar, mudar o intuito, fazer ação diversa até oposta, ações do nós. 
Abandonei o aconchego de um lar verdadeiro, a possibilidade de sonhar um sonho meu, a conquista de alguns desejos, abri a casa, o coração, a mente, as emoções para aprender como seria não querer mostrar a arte, pois mostrar é egoísta, aparecer é o ego imperando...é?
Cheguei ao ponto de despojar-me de muito, de me perder em desejos e esperanças alheias...

Hoje, sim, hoje mesmo, 11 de outubro de 2010, me vi desaparecer, não há 'eu' como conhecia há cinco anos ao menos, não há mais a atriz que houve, agora pressinto minha existência em-arte nos meus textos, talvez tenha nascido uma poetiza, com o tempo descobriremos. Entretanto aquela voz antes não manifesta, agora vem a me embrulhar o estômago e dar pontapés no fígado, grita internamente pois ousa acreditar que o sussurro não me serve mais...apesar de ter tentado abandoná-la, a atriz, sofregamente respira, suspira e implora:

 - Deixa-me voltar, sua insana, sua louca, mais louca que Sônia de Nelson, mais louca que  todos os intensos loucos da história teatral, louca por sufocar a loucura. Deixa-me fluir, mulher sensata, sensata aos olhos moralizantes do formatado universo das caixinhas de "ou", bom ou mal, de certo ou errado, de isso ou aquilo.

Eu, no silêncio das noites em claro a ouço lindamente cantar:

 - Insana sensata menina mulher, me liberta de ser o que um outro sonhou, me expurga de dentro de ti.  Deixa-me viver no palco, onde a vida é intensa e sublime, onde estive outrora pelas histórias, pela presença, pelo presente estar...é lá o lugar meu e seu de realizar a intenção, a busca, a meta de estar a serviço de viver, o Ser, ali, deixa de existir...

Ao contrário do que julgam muitas línguas e outros tantos olhos alheios, a atriz que mora em mim é a parte mais generosa que já conheci, ao abandoná-la me perdi de vista, acordei em sonhos desconhecidos, nos labirintos que me perturbavam nos poucos pesadelos da infância, nos quais sendo adulta em grandes palcos da antiguidade, em gigantescas escadarias, me colocava à frente de um público imenso e ali, empedrava, faltavam-me todas  as palavras, a dramaturgia dos sonhos me desmoronava.

Sim, foram realmente existentes tais pesadelos numa época em que a menina nem sabia  que ofício seguiria, nem sabia se chegaria a crescer, pois pensava que viveria até os 18...estranhas e coerentes lembranças estas, pois foi aos dezoito que a menina ingressou a dedicar-se ao ofício sobre o qual aqui discorre...viveu de fato até os 18 e re-viveu ao iniciar com dedicação a viagem por investigações artísticas, no corpo, na mente, na alma, no coração...e tre-vive agora ao encontrar o fio que fora em outras eras, de Ariadne...

...a rocha, a flor, a criança, a mulher, pouco a pouco a sair do labirinto...

O labirinto de sonhos alheios, erguido dentro da caixinha do Ou, profundo, apavorante, triste e abandonável.

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