Por conta das correrias do quotidiano, diria um desavisado passante, mentira, mais por excesso de liberdade, na verdade, liberdade criativa, reflexiva, mas, castração ativa. Anteontem me pousou de soslaio um pouquinho da incredulidade de que o Homem tenha solução.
Eu ando um tanto farta da falta de poesia do mundo, mas, enfim, dinheiro não chove nem dá em flor, não vem de brinde, não nasce como coelhos, aos montes e tudo que te obrigam a ter, só é trocado por esse tal pedaço retangular de um papel chamado moeda. Então, meu bem, mãos à obra que de algum modo deves se enquadrar nisso tudo.
Eu continuo, sim, acreditando na espécie humana, mas em cada vez menos deles, que vivem com pouco regalo e poesia no ralo, resvalando nesse mundo injurioso. Vai aí, adiante, uma historinha real pra sacar a minha raiva em vias de um ano eleitoral, em que já fazem enumeras propagandas a respeito do belo Sistema de Saúde brasileiro!
Você precisa passar por um exame que custa R$10.000,oo, sim, dez mil reais, está internado em um hospital público de grande porte, que lhe garante o exame gratuitamente, que honra, não? Enfim os impostos pagos e repagos durante dois quartos de vida, vão lhe valer uma salvação.
Tudo encaminhado, exame marcado, jejum, estado debilitado, saída da UTI, remoção para a enfermaria as horas passando, anoitecendo e ...MAGIAAAA... alguém do andar de cima esqueceu-se de avisar para alguém do andar de baixo que aquele paciente teria de ser removido para passar pelo tal exame, pois a maquinaria para está em outro hospital.
Ok, sem desespero, para quem dormiu duas noites no corredor até conquistar, por ‘estado deplorável mor’, um cantinho na Unidade de Tratamento Intensiva, esse é apenas um errinho besta, pensa você, que acaba de sair de um coma de uns dez dias, a base de agulhadas e líquidos escabrosos, e por ser muito guerreiro, pois em geral, esse tipo de coma dura meses, até anos, gaba-se um pouco então, é o que lhe resta. Respira fundo, um pouco grogue ainda, finge não entender e dorme esperando que no dia seguinte a situação se resolva.
Mais dez dias se passam, alguém comenta ao seu lado. Você ali, quase nu, num leito de enfermaria, com, mais cinco ou seis seres desconhecidos, todos em situação lastimável, você, que agora recobrou a regência quase total da mente, guarda o registro de exatas dez páginas de contos, todos com o mesmo título, cada um criado por um funcionário diferente que volta e meia aparece no lugar: “o mistério do exame que não foi feito hoje, mas amanhã...”.
Está bem, você, que tem amigos e pessoas que te amam à volta, se encontra levemente alegre, ainda assim, porque recebe a gloriosa notícia de que alguém se ofereceu para bancar o tal exame por vias particulares, tudo arranjado, transferência para que o exame seja realizado e retorno ao hospital para dar continuidade ao tratamento, simples assim?! Não, ledo engano, meu caro! Pois eis que surge o mensageiro do vilão dessa história, o nobre senhor de Branco, o digníssimo Doutor.
E ao longe você escuta a pomposa mensagem: Família, vocês podem levá-lo, por mim, estaria perfeito, no entanto, saibam que retirando o paciente deste hospital para que faça o exame em particular, será feito um inquérito contra os funcionários daqui, indagando-os o porque de não terem realizado o exame aqui mesmo, no andar em que ficam as máquinas para tal.
....Uma pausa: ué? Mas aqui, aqui, neste hospital, existem as tais máquinas? Eu não seria transferido desde o início para realizar isso?...muitas interrogações lhe passam...
Continuando o enredo do nobre mensageiro do vilão da história, o digníssimo Doutor de Branco: Família (diz ele pomposamente, como bom pomposo mensageiro), eu gostaria de poder prescrever a alta do paciente, no entanto, realmente precisamos desses resultados, mas, caso ele os obtenhas por vias particulares e o tal inquérito do qual lhes falei venha a cabo, lembrem-se (dois pontos, travessão!)
Eu não estarei vinte e quatro horas por perto do familiar de vocês, quem observará os cuidados quotidianos, serão os funcionários sobre os quais decairá o inquérito!
Despede-se assim, o glorioso mensageiro com um semblante de mistério e alívio, como quem deixa uma bomba relógio sobre a mesa de centro sabendo quem está com o timer que irá dispará-la.
Perdões aos meus amiguinhos leitores, mas a poesia do quotidiano, ás vezes é áspera, dura e intragável. Estou assim, só numa breve abstinência poética, nada de pontos finais, apenas uma longa reticência em mim e no meu quotidiano maluco. Um momento, sem eira, nem beira e com muita vontade de continuar a procurar o meu lugar ao sol, pra quando encontrar, levar um montão de gente junto...
So sorry, dear, estou cá, produzindo mais uma pérola enquanto costuro mais essa cicatriz...deixo aqui, um beijinho na ponta do seu nariz.
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